Em 1980 o médico estadunidense Richard Gardner criou a teoria da Síndrome da Alienação Parental cujo conceito seria “expressão que se refere à ‘programação’ ou à ‘lavagem cerebral’ promovida por um dos pais da criança a fim de denegrir e vilipendiar o outro genitor, acrescentando elaborações ‘construídas’ pelo próprio infante, e assim justificar sua resistência a manter uma relação com tal genitor, que é definido como alienado”.
Gardner trabalhava, em suma, na área forense dos tribunais norteamericanos, elaborando pareceres sobre casos que envolviam abusos de natureza sexual em tese praticados pelo pai de crianças cuja guarda estava sob judice, sobretudo com vistas a encampar a teoria por ele cunhada como fundamento para a defesa dos interesses daqueles apontados como abusadores.
Em sua auto publicada obra em 1992, intitulada “True and false accusations of child sex abuse” (Verdadeiras e Falsas acusações de abuso sexual infantil), Gardner diz que “[...] pais pedófilos precisam ser ajudados a entender que a pedofilia tem sido considerada normal pela vasta maioria dos indivíduos na história do mundo[...]”.
Na mesma obra, o autor ainda afirma: “É porque nossa sociedade reage de forma exagerada a isso (pedofilia) que as crianças sofrem.”
Richard Gardner se matou em 2003.
Embora a teoria tenha sido alçada a uma “síndrome”, com evidente intuito de dar ares de uma patologia psíquica, quando da tentativa de incluir a Alienação Parental como “Síndrome” na DSM-5 (Diagnostical and Statistical Manual of Mental Diseases, Fifth edition), a comunidade científica, sobretudo psiquiatras, se opuseram vertiginosamente à caracterização da “Alienação Parental” como um transtorno mental.
Na ocasião, dentre os argumentos científicos utilizados, a comunidade médica abordou dois fundamentos centrais: O primeiro, a provável estigmatização que recairia sobre as crianças cujos pais atravessam um processo de divórcio conturbado. O segundo fundamento antecipou um dos maiores problemas que a comunidade jurídica tem enfrentado: o uso malicioso de um “diagnóstico” em processos judiciais com grau de litigiosidade entre as partes.
Fato é que a “Síndrome da Alienação Parental” vem sendo utilizada, em grande parte, de maneira acrítica nos tribunais brasileiros, sobretudo quando invocada por pais acusados de abuso infantil, que assim procedem para intimidar a mãe (geralmente ex-cônjuge) e guardiã das crianças.
O grande gargalo surge quando um dos pais é suspeito e/ou acusado de abuso sexual infantil (estupro de vulnerável) e o guardião, seguindo um dever legal, protege a criança do outro.
No Brasil, único país que constou a Síndrome em Lei, as consequências para o(a) acusado(a) de sua prática, vai de advertência ao “alienador” ou até mesmo modificar a guarda da criança.
Nesse contexto, a mãe (geralmente ou quase sempre) fica sujeita a ser responsabilizada por omissão se não proteger a criança da pratica do crime pelo genitor. Não bastasse, caso o faça, enfrentando um processo que se discute a convivência do pai com a criança, sofre acusação de prática de Alienação Parental e fica sujeita a perder a guarda.
Posto o cenário, surge uma solução simples e (como sempre) equivocada: de que “bastaria provar a prática do crime sexual”. Essa “resposta” deixa de considerar os casos em que não se verifica conjunção carnal do abusador com a criança. Por consequência, as provas do abuso são ainda mais difíceis, muitas vezes se restringindo a laudos que avaliam o comportamento das crianças, quase sempre contestados pelo abusador, fazendo com que o processo se arraste por anos.
Durante esse mesmo tempo, a mãe permanece sem adequada paz de poder repousar sabendo que seus filhos estão seguros.
De todo modo, o sistema jurídico brasileiro já possui fundamentos suficientes para enfrentar casos em que as acusações de abuso sexual são comprovadamente falsas, inclusive com a reparação civil e responsabilidade criminal.
A revogação da Lei n° 12.318/2010, inclusive já recomendada pela ONU, não prejudicaria o exercício do direito da vítima de calúnia. O uso da Lei de Alienação Parental, por pais acusados de abuso sexual de infante, revelou ser, em resumo, uma covardia jurídica.
Rodrigo Dias Martins é advogado sócio-fundador do escritório Martins e Moreira Advogados e Consultoria Jurídica; especialista em Direito Público e Processo e Técnica Legislativa; membro do Núcleo mineiro e da Secretaria Jurídica Nacional da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia – ABJD.