O medicamento injetável lenacapavir foi eleito como a principal descoberta científica de 2024 pela revista Science, destacando-o como um avanço significativo na luta contra o HIV. A droga, que atua como profilaxia pré-exposição (PrEP), mostrou eficácia de 100% em um ensaio clínico realizado com 5.300 adolescentes e mulheres jovens na África, especificamente em Uganda e na África do Sul. Os resultados surpreendentes mostraram que não houve nenhuma infecção por HIV durante o período estudado de um ano, após duas injeções anuais, cada uma administrada a cada seis meses.
A Gilead Sciences, responsável pela pesquisa, também conduziu um segundo estudo envolvendo homens que fazem sexo com homens, pessoas transgênero e usuários de drogas injetáveis em seis países, incluindo o Brasil, que também apresentou uma eficácia impressionante de 99,9%. Cientistas e autoridades médicas estão otimistas de que lenacapavir poderá se tornar uma ferramenta crucial para a eliminação do HIV/Aids globalmente. A publicação científica destacou a descoberta em um editorial publicado na última quinta-feira (12/12).
O último dia 1º de dezembro marcou o Dia Mundial de Combate à Aids, quando a agência da ONU para Aids (Unaids) divulgou um relatório indicando que 2023 registrou o menor número de novos casos de HIV desde 1990, com 1,3 milhão de novos diagnósticos – uma redução significativa em relação aos 2,5 milhões registrados em 1990 e ao pico de 3,3 milhões em 1995. O progresso nos serviços de prevenção e tratamento do HIV, juntamente com o desenvolvimento de novas terapias, contribuiu para esta redução contínua de novas infecções.
Para a revista Science, lenacapavir representa "um vislumbre do que seria a melhor alternativa de proteção" contra o HIV, alcançando uma eficácia preventiva de seis meses a cada aplicação. Isso é especialmente importante em países com barreiras de acesso aos tratamentos e onde há um estigma associado ao HIV. "Acho que é um avanço extraordinário, e temos nas mãos agora elementos cada vez mais potentes para controle da pandemia de HIV/Aids", comentou o infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, sobre o editorial da revista.
Além de seu poder de prevenção, a droga se destaca por uma inovação científica ao identificar um novo alvo de ação: o capsídeo, uma estrutura molecular que envolve o material genético do vírus em uma cápsula proteica. O HIV é conhecido por sua capacidade de se recombinar e escapar do sistema imunológico dos hospedeiros, tornando o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus um desafio contínuo.
Lenacapavir atua em três pontos distintos: bloqueia a ligação do capsídeo com o núcleo celular, inibe a replicação de novos vírus e impede a formação de proteínas necessárias para o capsídeo. A descoberta de que o capsídeo não se degrada completamente no interior da célula, permitindo sua "espremida" para o núcleo, foi crucial para o desenvolvimento da droga. Ao tornar o capsídeo rígido, o lenacapavir impede sua ligação com o núcleo celular e a formação de novas cápsulas virais, que poderiam reiniciar o ciclo infeccioso.
Embora o medicamento tenha mostrado um desempenho impressionante, há desafios a serem superados, especialmente quanto ao custo. A versão injetável de lenacapavir custa cerca de US$ 42.250 (cerca de R$ 252 mil) por ano por paciente. Espera-se que, com a transferência de tecnologia anunciada pela Gilead Sciences para a produção de uma versão genérica, o acesso ao medicamento se torne mais acessível. No entanto, países com alta prevalência de HIV, como o Brasil, ficaram de fora desta iniciativa inicial.
A necessidade de superar barreiras de acesso continua sendo um ponto central para a disseminação de lenacapavir, especialmente entre populações vulneráveis em países de baixa renda. Kallás ressalta que "não conheço nenhuma outra medicação que tenha esse nível de eficácia aplicada duas vezes ao ano", enfatizando a importância da distribuição global para garantir que todas as comunidades possam se beneficiar deste avanço científico.